Crianças que acordam a noite segundo Laura Gutman

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Falar de Crianças que acordam a noite é delicado e ao longo do tempo os pais buscam desesperadamente fórmulas mágicas para que seus filhos durmam mais.

Os dois anos é a idade chave para muitas coisas. Neste momento de vida do seu filho começa a ocorrer a separação emocional dele com você, aqui nesta fase ele vai entender que ele é um “eu” único e que você é outra pessoa diferente dele. Isto dói.

Nesta fase muito bonita, um marco acontece na evolução do seu filho, ele descobre o mundo além da mãe. Na maioria das vezes crianças desta idade dormem a noite inteira. Algumas não.

Neste artigo nos atemos a falar sobre sono infantil acima de 2 anos de idade, se o seu bebê tem menos do que 2 anos de idade, vá para o nosso excelente artigo: Amamentação noturna e o padrão do sono dos bebês.

Cada família tem uma dinâmica muito particular e colocá-los no mesmo “pacote” é simplificar a vida das pessoas e generalizar situações que nunca poderiam ser assim.

Somos seres com pensamentos e vivências únicas e ou familiares distintas e encaramos a vida com significados diferentes o tempo inteiro.

Esta é a abordagem da autora Laura Gutman, do livro A Maternidade e o Encontro com a Própria Sombra“, você pode se reconhecer nele ou não, talvez buscar conexões com respostas e de repente extrair algumas reflexões que te ajude.

Segundo a autora, existem 3 situações básicas que podem fazer crianças acima de 2 anos acordarem a noite e não ter um sono tranquilo:

  1. As crianças que buscam o tempo perdido com a mãe.
  2. As crianças que livram a mãe de ter que responder sexualmente ao parceiro.
  3. As crianças que protegem a mãe de sua solidão, angustia ou violência.

Deu um nó na sua cabeça por aí, né? Geralmente os pais acham que o problema das crianças que não dormem a noite inteira diz respeito as crianças e não a eles mesmos. Olha só que surpresa, nestes 3 itens da autora, a questão esta relacionada aos pais.

1. As crianças que buscam o tempo perdido com a mãe.

Diz respeito aqueles em que a mãe não tem muito tempo para lhe dar toda a atenção que ele necessita durante o dia ou que a mãe trabalha muito fora e chega cansada demais para conseguir atender essa demanda de atenção da criança.

Nos referimos as mães porque até essa idade mais ou menos, invariavelmente elas são as pessoas mais importantes para os filhos e em seguida vem os outros, mas entendam que dependendo do seu contexto familiar a mãe aqui pode ser substituída e/ou acrescentados aqui o pai, avó, tias e todos aqueles que tem vínculo afetivo com a criança.

Todas as crianças que precisam de atenção exclusiva, um olhar mais atento, de tempo sem pressa, de presença presente acabam buscando a mãe a noite quando não tem isto durante o dia.

Ainda que a mãe fique irritada por ter acordado de madrugada para atender o filho, o filho sabe que ela esta alí naquele momento. É o encontro entre mãe e filho sem interferência e onde a criança tem o colo e atenção plena da mãe.

Quando a mãe esta em casa, ela precisa buscar esta conexão emocional mais profunda com o filho de dia para que ele tenha satisfeito essa necessidade de contato, atenção e permanência da mãe e consiga dormir melhor a noite.

As mães que trabalham estão sempre correndo contra o tempo também e os dias parecem ter menos horas do que deveria, ainda mais quando o filho precisa tanto assim dela, e quando voltam para casa no fim do dia encontram uma vida cheia de outras funções: janta, mercado, banhos, assuntos pendentes…

Pare. Respire. Seu filho passou o dia inteiro te esperando.

Se você puder melhorar o tempo dedicado ao seu filho, com olho no olho e presença presente, onde ele tenha sua total e exclusiva atenção. Se você conseguir este contato, esta conexão com o seu filho quando chega em casa acima de todas as outras coisas e conseguir melhorar pequenas situações cotidianas como por exemplo a hora do banho para conversar, interagir e se conectar com o seu filho.

Se você puder brincar, mas brincar de forma totalmente disponível e tentar nos fins de semana recuperar este tempo perdido com uma verdadeira presença, talvez isto ajude seu filho a dormir melhor. Escrevi sobre presença neste artigo, vale a pena ler: Presença presente na vida dos filhos

2. As crianças que livram a mãe de ter que responder sexualmente ao parceiro.

Este grupo de crianças, provavelmente te deixou confusa. Segundo Laura Gutman, existe um fio invisível que liga a mãe ao filho, onde a conexão de sentimentos e sensações entre os dois são compartilhadas.

O filho é a sombra da mãe e invariavelmente quando ela não esta bem, a criança responde a esta dificuldade emocional da mãe com algum outro comportamento que apenas um olhar atento da mãe é capaz de perceber.

Todas sabemos o quanto a sexualidade entre o casal após os filhos pode mudar entre a maioria das mulheres.

As necessidades da mulher mudam, seu interesse muda, essa sensação de não se sentir mais a vontade com o próprio corpo junto ao cansaço da nova rotina de cuidados com o filho podem tornar a vida do casal bem diferente do que era antes.

Enquanto na maioria das vezes a mulher quer contato, carícias, conversas e abraços, o homem quer sexo especificamente. Os interesses de ambos acabam não coincidindo por algum tempo. Escrevi mais sobre isto aqui: Como fica o casal depois do bebê.

E é neste momento que inconscientemente a mãe aciona o seu fio invisível que a liga com o filho, quando o marido a procura ou quando ela sabe que será procurada por ele, este fio é um pedido de socorro.

Como ela não sabe como lidar mais com esta situação com o parceiro, sua conexão fusional com o filho a acode.

Assim a criança chora solicitando a mãe antes de qualquer aproximação entre o casal. Isto faz com que o casal em vez de conversar sobre suas necessidades e desejos pessoais enquanto casal, voltem seu olhar para a criança que não dorme.

Não é a criança que incomoda, é a criança que é incomodada pelas dificuldades dos pais. Complexo, não? Sim, a vida inteira é quando paramos para pensar nela e problematiza-la. Alívio para a mulher quando a criança interrompe e frustração para o pai, ou vice e versa, na sociedade atual não há papéis tão específicos mais, as vezes estas questões dizem respeito ao pai também.

O primeiro passo é olhar para si mesma e tentar perceber o que realmente acontece na sua relação de casal, ser sincera consigo mesma e compartilhar com o parceiro para que juntos busquem conexões amorosas que atendam aos dois, em que ambos estejam felizes, plenos e satisfeitos.

Faça um teste, será que a partir do momento em que estas questões amorosas estiverem resolvidas, seu filho dormirá melhor?

As crianças que protegem a mãe de sua solidão, angustia ou violência.

Por fim e não menos importante, pois trata-se de mais um grupo complexo com uma infinidade de situações diferentes, fala basicamente das mães que criam seus filhos sozinhas e isto pode estar enquadrado em mães que não são casadas e não vivem com o pai da criança e ele não participa como deveria, bem como mães que não tem a parceria do pai (ainda que morem na mesma casa) na criação do filho.

Estas mães sentem-se o tempo inteiro solitárias, tristes e angustiadas com esta situação.

O filho ao acordar passa a mensagem para a mãe que ele esta ali, que não irá abandoná-la, nem de dia e nem de noite. Segundo a autora, nestes casos, algumas crianças choram alegando ter medo de dormirem sozinhas e quanto mais inconscientes forem as angústias e temores das mães, mais complexo será reconhecer a própria sombra na criança.

O filho junto e acordando lembra a mãe que ela é digna de ser amada.

Neste grupo a autora também coloca mulheres  que vivem uma situação de opressão do marido onde o seu poder econômico ou social tem uma personalidade agressiva e de alguma forma a desvaloriza.

Assim entra-se em um ciclo onde a mãe se sente indispensável tanto de dia quanto de noite, se ela tem um parceiro, este acha cada vez mais desmedidas as acordadas noturnas e a espiral de problemas vai se ampliando.

Nesta situação é importante se perguntar: “quem sou, do quê preciso, o que esta acontecendo comigo?”

Para entrar em um estado de introspecção profunda de si mesmo, se reconhecer na sombra do filho e se resolver internamente para permitir que ele assim durma tranquilamente.

Para Gutman, a noite é o momento onde nossas sombras despertam, infiltram-se em nossas angústias adormecidas e nos mostram nossos temores. É onde o insconsciente se liberta e a tarefa mais importante dos pais é perceber se existe nestas acordadas um pedido verdadeiro da criança ou da mãe/pai formulado através do filho.

A criança acorda por causa dela ou por sua causa?

Leia também:

Texto criado com referência no livro A Maternidade e o Encontro com a Própria Sombra de Laura Gutman, páginas 264 a 270.

Suelen Maistro
Mãe do Fe. Criadora dos portais Mãe Pop e Sue Maistro. Artista Visual, Diretora de Arte e Tattoo Artist. Pesquisa e estuda temas relacionados a amamentação, educação, criação, psicologia, ciência, arte e design. Mas não se engane, as vezes jogo conversa fora em artigos despretensiosos, pouco importantes e irônicos. Bem vinda a minha casa virtual