Mães de filmes e novelas não existem e ninguém me contou

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Ninguém nunca me falou sobre as mudanças reais e bruscas pelas quais temos que passar quando nos tornamos mães. Ninguém nunca me contou que mães de filmes e novelas não existem…

O conselho que eu mais recebi foi relacionado às noites de sono. As pessoas falavam que eu deveria aproveitar a gravidez para dormir, pois passaria por um longo período de privação de sono. Será que com as mães de filmes e novelas é assim também?

Não que não fosse verdade, mas não acho que isso era tão importante quanto todos faziam parecer. Essa não era, nem de longe, a maior das mudanças que iria ocorrer na minha vida.

Eu gostaria de ter sido preparada para enfrentar os meus próprios monstros que eu insistia em esconder. Queria que tivessem me falado o quanto o puerpério poderia ser intenso e o quanto eu poderia sentir necessidade de me recolher dentro de mim mesma juntamente com o meu sempre amado bebê.

Ninguém me disse que aquelas mães dos filmes e novelas não existem.

Ninguém, em momento algum, me falou do quanto eu iria sentir-me deslocada dentro da minha própria pele por não saber mais ao certo quem eu era. Eu só sabia que não poderia ter o meu estilo de vida anterior tão cedo.

Eu nem se quer imaginava que iria me sentir profundamente desconfortável em situações que antes eu tirava de letra. Muito menos que iria me sentir tão confortável em certas ocasiões que eu até então abominava.
Quem leu algum dos livros da Laura Gutman sabe do que eu estou falando quando me refiro aos monstros que tive que enfrentar. Se você não leu, vale à pena. Eu não fazia ideia de que para me conectar com o meu filho, eu teria que me entrelaçar com o meu passado.

Todos nós escondemos lembranças tristes ou desagradáveis. Eu não posso falar por todas as mulheres do mundo, mas tudo o que escondia de mim mesma veio à tona quando me tornei mãe. Lidar com meus próprios fantasmas foi uma das coisas mais difíceis que fiz na vida.

Até mesmo porque muitas vezes eu não sabia qual dos fantasmas tinha resolvido me assombrar. E digo ao mais, a minha luta com eles (comigo na verdade) está bem longe de acabar.
O puerpério foi sem dúvida um dos períodos mais contraditórios da minha vida. Eu tinha nos braços, embalado ao som de “Stand by me”, a maior riqueza do Universo. E eu me sentia (e me sinto) extremamente abençoada por ninar aquele tesouro em forma de gente. Mas por outro lado, eu me sentia exausta e triste.

Exausta pelas noites mal dormidas (tá, confesso, o conselho não foi tão inútil assim). E triste por não saber quem eu seria dali pra frente. Eu tinha tantas dúvidas com relação a minha própria vida. O meu mundo que antes era aparentemente tão estável parecia estar num caminhão de mudanças indo para algum lugar que eu não sabia onde era.

A segurança que eu sentia a respeito da minha própria vida, foi trocada pelas incertezas de uma vida que eu teria que refazer baseada nas minhas escolhas. Eu não enxergava o fato de cada escolha representar uma renúncia e me agarrava ao fato de que nada no mundo me fazia mais feliz do que estar com o meu bebê.

Ao olhar para trás, eu percebo que não era só ele que dependia de mim, eu também precisava estar o tempo todo com ele. Restava torcer para que a vida colaborasse e me deixasse curtir cada segundo daquela bolinha fofa de gente nos meus braços. Mas a dúvida de como seria quando a licença-maternidade acabasse e de como seria a minha vida depois daquele período, tirava a minha paz.

Foi um período em que a sensatez parecia ter fugido sem deixar lembranças. E olhando para trás, eu percebo que o destino de ninguém é certo como uma fórmula de matemática dessas que a gente aprende na escola. A vida é incerta o tempo todo, a qualquer dia tudo pode mudar.

E por algum motivo pessoal, eu insistia em acreditar que antes de ser mãe a minha vida era tão estável e certa quanto dois mais dois são quatro.

A vida não é e nunca vai ser como nos filmes. Isso estava mais do que claro. Eu não tinha um roteiro pronto que eu deveria seguir. Eu não tinha falas escritas para mim. Muitas vezes eu não sabia nem o que pensar, muito menos o que dizer.

Em suma, eu não sabia quem eu era além de mãe. Eu também desconhecia o fato de que eu não deveria me preocupar tanto com isso, a vida se encarregaria de fazer com que eu me encontrasse comigo mesma novamente.

Aliás, nunca aprendi tanto em tão pouco tempo. Com o passar dos dias, aos poucos as coisas vão lentamente se encaixando. As noites de sono vão aumentando e os choros da madrugada vão diminuindo. O casamento vai se remodelando.

A mãe vai se reconectando com a mulher que já foi um dia e alcançando as aspirações de quem um dia quis ser. Amigos antigos vão saindo em silêncio, por conta própria, pela porta dos fundos. Novos amigos vão entrando pela porta da sala com um sorriso nos lábios e uma comida quentinha nas mãos.

A sala vai se transformando numa espécie de playground e a casa parece estar tomada por risadas e barulhos que um dia deixarão saudade. Os sapatos de salto alto vão saindo das sapateiras se exibindo por aí. Os tênis e sapatilhas vão se tornando opcionais.

E a cada dia a vida muda um pouco, basta se abraçar e entender que cedo ou tarde tudo vai se encaixar novamente. Acho que é por isso que me falou dessas coisas, elas são tão fortes e tão intrínsecas que chegam a ser naturais. Mais do que isso, apesar de parecerem eternas, elas vão passar.

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